21/03/2022
É possível produzir mais, com sustentabilidade econômica e ambiental? Em uma época marcada pela estiagem, o Jornal Cotrijal analisa o que é preciso fazer para mitigar as consequências de um novo período de seca, propõe uma reflexão sobre o sistema plantio direto e reflete sobre os benefícios da era digital. Confira, abaixo, mais um trecho da reportagem que integra o edição especial de março sobre a Expodireto Cotrijal. Acesse aqui o conteúdo completo (reportagem nas páginas 6 a 9).
Um momento difícil e desafiador. É assim que o engenheiro agrônomo Antônio Luis Santi, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutor em Ciência do Solo - Agricultura de Precisão, define a situação atual provocada pela estiagem. O profissional vai ainda mais além, sugerindo repensar a qualidade do sistema plantio direto.
Santi, que atua como coordenador do Laboratório de Agricultura de Precisão do Sul (Lapsul) e é diretor técnico da ConnectFARM, explica que a água é o componente que define a produtividade e sem ela a planta não consegue absorver nutrientes e muito menos expressar seu potencial produtivo.
“A capacidade de água disponível (CAD) média dos solos tropicais é 50 l/m² em 100 cm de profundidade. A evapotranspiração – perda natural de água para a atmosfera - é de 3 l/m²/dia, ou seja, naturalmente, sem período de estiagem, o suprimento de água é para 10 a 15 dias de consumo. Numa situação como essa que se está passando com altas temperaturas o suprimento fica ainda menor”, avalia.
A pergunta chave para o professor é: como se preparar para as próximas safras? No seu entendimento, o caminho é olhar o sistema de produção como um todo, pois não se encontra respostas olhando apenas a lavoura de soja ou de milho no atual ciclo.
Santi destaca que, isolando alguns casos em particular e regiões específicas, as maiores perdas estão e vão ocorrer em áreas cuja qualidade do sistema plantio direto está comprometida:
- baixa infiltração de água;
- áreas compactadas comprometendo a porosidade e a estrutura;
- ausência de rotação de culturas com diversidade de espécies e raízes, o que influencia negativamente nos teores de matéria orgânica e atividade biológica.
A cultura do milho consome 300 litros de água para produzir cada quilo de massa seca e a cultura da soja consome 500 litros. Exemplificando, uma lavoura de soja, para produzir 50 sc/ha, necessita, em média, 30.000 litros de água por hectare/dia.
“É muita água”, afirma Santi. “Não se tem essa chuva todo dia, então o caminho e a dica é armazenar no solo. Esses números mostram que não se pode ser imediatista. Não há formas mágicas para enfrentar desafios similares nas próximas safras. O caminho é repensar a qualidade do sistema plantio direto”.
O professor alega que este é o momento ideal para uma reflexão sobre o sistema, seja pela estiagem ou pelo fato de o plantio direto completar 50 anos no Brasil em 2022. Santi sugere que é preciso reaprender com produtores que têm investido safra após safra na qualidade do solo e que vão produzir acima da média dos vizinhos e da média estadual na atual safra.
Entre as principais premissas do sistema (confira no quadro), Santi indica que é preciso observar o comportamento dos ambientes de produção - e identificá-los - em cada área da propriedade.
“Temos identificado que mesmo com técnicas modernas da agricultura de precisão, somente o emprego de amostragem de solo e intervenções de taxa variada de corretivos e fertilizantes ou mesmo sementes, não se consegue entregas qualitativas em saúde do solo. Há necessidade de também monitorar a física e a biologia e, a partir do conjunto de dados, pensar em conjunto todas as estratégias de manejo, inclusive quais as melhores estratégias de rotação de culturas em cada área”, afirma.
Antônio Santi pondera que a próxima década do agronegócio vai depender da capacidade do produtor reinventar processos e tomar decisões baseadas em dados. Ele afirma estar otimista, pois há uma geração nova assumindo propriedades, cooperativas e empresas com “sede” não apenas de tecnologia, mas de fazer as coisas acontecerem.
“Pensar o futuro não é uma coisa fácil, mas vislumbramos que estaremos muito mais assertivos na tomada de decisão na fertilidade do solo, na escolha de cultivares, no manejo fitossanitário e em sistemas de rotação. A questão do sequestro de carbono e créditos não será mais uma utopia e sim algo palpável e realidade dentro das propriedades”, afirma.
Santi avalia que, talvez, não se ganhe diretamente em créditos de carbono, mas se chegará à “soja carbono zero” e “milho carbono zero”. Para saber mais sobre o mercado de crédito de carbono, leia matéria na Página 9 do Jornal Cotrijal.
- Correção da acidez do solo e da fertilidade, preferencialmente em taxa variada;
- Investir em produção de palha incluindo diferentes espécies, principalmente, com sistemas radiculares diferentes e que forneçam nitrogênio ao sistema;
- Implantar o uso de rotação e consórcio de culturas, banindo o uso de grade niveladora e o vazio outono/inverno;
- Ser persistente, insistir, aprimorar, estudar, reinventar-se.
O professor Antônio Santi tem uma dica de ouro para os produtores: “muito cuidado com produtos ou soluções milagrosas neste momento”. De acordo com o profissional, melhorar a qualidade do solo aumentando o teor de matéria orgânica e armazenamento de água são frutos de um trabalho minucioso e muito capricho, e não de técnicas agronômicas isoladas e pontuais.